Lançado a 8 de abril de 1991, Blue Lines, o álbum estreia dos Massive Attack, marcou o início de uma revolução silenciosa na música britânica e mundial. A partir de Bristol, cidade inglesa com uma cena musical e multicultural fervilhante, os Massive Attack — Robert "3D" Del Naja, Grant "Daddy G" Marshall e Andrew "Mushroom" Vowles — criaram uma sonoridade que rompia com as convenções do hip hop, da soul, do reggae e da eletrónica, dando origem ao que viria a ser conhecido como trip hop.
Contexto e criação
Nascidos do coletivo The Wild Bunch, os Massive Attack trouxeram para estúdio a liberdade criativa dos seus DJ sets. Contaram com colaborações de Shara Nelson, Tricky, Horace Andy e Jonny Dollar, entre outros, para dar corpo a um disco feito de batidas lentas, atmosferas sombrias e uma honestidade emocional rara. Como explicou 3D: “Queríamos fazer um álbum que soasse a um domingo de manhã”. E Blue Lines soa exatamente assim: melancólico, íntimo e profundamente humano.
Destaques musicais
Entre as faixas mais emblemáticas do álbum, duas assumem um papel central no seu legado: “Unfinished Sympathy” e “Be Thankful for What You’ve Got”.
Unfinished Sympathy
Lançada como single em fevereiro de 1991, esta música tornou-se o verdadeiro cartão de visita dos Massive Attack. A voz de Shara Nelson conduz-nos por uma narrativa de vulnerabilidade e desejo, sobre um instrumental que combina uma secção de cordas cinematográfica com batidas minimalistas e um baixo pulsante. Foi gravada com uma orquestra real, num tempo em que o sampler era regra. Resultado? Uma das músicas mais arrebatadoras da década.
A crítica foi unânime: o Melody Maker chamou-lhe “um momento perfeito da pop moderna”, e o NME incluiu-a entre as melhores canções de sempre. Com o tempo, Unfinished Sympathy tornou-se símbolo do trip hop: emocional sem ser melodramática, elegante sem ser fria.
Be Thankful for What You’ve Got
Esta é a única versão do álbum — um tributo ao clássico soul de William DeVaughn (1974). Mas os Massive Attack fazem mais do que reinterpretar: transformam o tema num hino à resistência urbana. Daddy G assume os vocais com uma entrega discreta mas cheia de significado, e o instrumental abrandado, envolto em ecos dub e um groove descontraído, aproxima-nos da essência do álbum — gratidão, mesmo na adversidade.
Nesta versão, a letra “Diamond in the back, sunroof top…” ganha uma nova vida. Não é apenas nostalgia, é um gesto político subtil, uma afirmação de orgulho e sobrevivência no meio do caos. Uma escolha estética que revela an alma do grupo — entre a tradição e a reinvenção.
Impacto e receção
Aquando do lançamento, Blue Lines não foi um sucesso de vendas imediato, mas captou a atenção da crítica britânica, que percebeu estar perante algo radicalmente novo. O álbum plantou a semente de um novo género, o trip hop, que viria a florescer com Portishead, Tricky e Morcheeba.
O impacto do disco cresceu ao longo da década de 90, tornando-se uma referência incontornável para artistas de diferentes géneros. Com o tempo, a visão dos Massive Attack revelou-se profética: sons lentos, misturas de géneros e emoções cruas passaram a ser centrais na música alternativa contemporânea.
Legado
Blue Lines não é apenas um álbum de estreia — é o nascimento de um novo léxico musical. Foi remasterizado em 2012, com elogios renovados da crítica. Hoje, artistas como The Weeknd, James Blake ou Billie Eilish bebem diretamente desta fonte.
Como disse Tricky, olhando para trás: “Foi como se o mundo tivesse ficado mais lento, mais profundo. Aquilo não era só música, era um estado de espírito.”
E, de facto, Blue Lines permanece como isso mesmo: um estado de espírito. Um disco para escutar com atenção, onde cada batida parece conter uma cidade inteira — com as suas sombras, as suas luzes e as suas esperanças.