Se nunca ouviu falar de Jalen Ngonda, está na hora de descobrir uma das vozes mais singulares a surgir na música soul dos últimos anos. Filho de pais congoleses, nascido em Wheaton, nos arredores de Washington D.C., Jalen cresceu entre discos de Marvin Gaye, The Temptations, Curtis Mayfield e Smokey Robinson. Essas vozes antigas moldaram-lhe o ouvido e, com o tempo, o estilo. Mas o que distingue Ngonda não é apenas a reverência pelas raízes, é a forma como as torna pessoais, íntimas, modernas.
Das lições de infância a Liverpool
Ainda adolescente, começou a escrever as suas primeiras canções e a tocar guitarra. O talento levou-o até Liverpool, onde entrou no Liverpool Institute for Performing Arts, fundado por Paul McCartney. Foi ali, no contacto com músicos vindos de todo o mundo, que começou a definir o seu som: uma mistura de soul clássica, R&B e pop sofisticada, com arranjos meticulosos e uma voz que parece transportar quem ouve para outra época.
“Lembro-me de chegar a Liverpool e sentir que estava num sítio onde a música ainda importava”, contou numa entrevista à NPR. “Havia uma energia, uma vontade de fazer parte de algo maior.”
Nos primeiros anos no Reino Unido, Jalen tocava em pequenos clubes, sozinho, com a guitarra, interpretando canções próprias e versões de clássicos. Foi assim que começou a construir um público fiel, discreto, mas atento.
Daptone Records: o selo certo para o momento certo
O salto maior aconteceu quando assinou com a Daptone Records, editora norte-americana conhecida por manter viva a tradição da soul analógica, casa de Sharon Jones & The Dap-Kings, Charles Bradley e Lee Fields. O seu álbum de estreia, Come Around and Love Me (2023), é uma carta de amor à era de ouro da soul, mas sem nostalgia.
“Não quero parecer que estou a imitar o passado. Quero que as pessoas sintam que estão a ouvir algo vivo”, explicou numa conversa com o Guardian.
Gravado entre Brooklyn e Londres, o disco é feito de melodias suaves, arranjos ricos e letras sinceras. Canções como If You Don’t Want My Love, What a Difference She Made e Please Show Me mostram um intérprete atento à emoção, capaz de transformar vulnerabilidade em força. A produção, feita em fita analógica, dá ao som uma textura quente e orgânica, fiel à estética Daptone.
A crítica foi unânime. O NME chamou-lhe “um dos melhores debuts soul da década”, enquanto a Rolling Stone inglesa destacou a “voz hipnotizante, que parece saída de Detroit nos anos 60 mas com um coração contemporâneo”.
Uma voz que não precisa de adornos
Ao vivo, Jalen Ngonda conquista sem grandes gestos. A sua presença em palco é calma, contida, quase tímida. Mas quando começa a cantar, o silêncio instala-se. A voz, cheia de nuance e doçura, lembra Smokey Robinson, mas com um timbre próprio, mais cru, mais terreno.
“Cantar é a minha forma de conversar com o mundo”, disse à WRKF Radio. “Há coisas que não consigo dizer de outra forma.”
“All About Me”: o retrato do presente
Depois do sucesso do álbum de estreia, Ngonda regressou em 2025 com o single “All About Me”, um tema que amplia o seu universo. Mantém o espírito soul, mas com novas texturas, baixo pulsante, bateria precisa e um refrão mais direto, próximo do R&B moderno. Victor Axelrod, com quem gravou o tema, diz ter escolhido Jalen Ngonda pela semelhança vocal com Bitty McLean.
“Quis escrever uma canção sobre identidade, sobre a necessidade de nos conhecermos antes de tentarmos ser tudo para os outros”, explicou no comunicado de lançamento. “É uma canção de amor, mas também de auto análise.”
A letra reflete bem o seu percurso: um artista em busca de equilíbrio entre tradição e inovação, entre o que herdou e o que ainda quer inventar.
Entre passado e futuro
Hoje, Jalen Ngonda vive em Londres, divide o tempo entre estúdio e estrada, e continua a compor de forma quase artesanal. As canções nascem do quotidiano, de viagens, leituras, conversas com amigos. “Não sou do tipo que escreve todos os dias”, confessou à MOJO. “Mas quando algo me emociona, preciso transformar isso em música.”
Não é apenas a voz que faz de Jalen uma figura singular: é o modo como entende o silêncio, o espaço, a emoção contida. O seu trabalho mostra que a soul não é um género do passado, mas uma linguagem viva, em constante reinvenção.
Jalen Ngonda é, no fundo, um contador de histórias.
E mesmo para quem nunca o ouviu antes, basta um par de versos para perceber que há algo de intemporal na sua forma de cantar, uma alma antiga a dizer coisas novas, com simplicidade e verdade.
Por onde começar com Jalen Ngonda:
7 canções para uma primeira descoberta. Uma introdução essencial à elegância soul do cantor norte-americano que combina emoção clássica e modernidade subtil.
1. “Come Around and Love Me” (2023)
💿 Come Around and Love Me
O ponto de partida natural. Uma canção luminosa e suave, com arranjos orquestrais e voz sedutora. É o retrato perfeito do universo de Ngonda, alma clássica, produção quente e melodia que se entranha sem esforço.
2. “If You Don’t Want My Love” (2023)
💿 Come Around and Love Me
Aqui está o coração da sua escrita: vulnerabilidade, romantismo e clareza. É uma canção que poderia ter saído da Motown em 1967, mas soa completamente viva em 2025. Ideal para perceber a sua forma de equilibrar delicadeza e força.
3. “What a Difference She Made” (2023)
💿 Come Around and Love Me
Mais animada, com um groove que convida a mexer o corpo. A guitarra e o baixo empurram a melodia, enquanto a voz de Jalen flutua com precisão. Mostra o lado mais rítmico e confiante do cantor.
4. “Please Show Me” (2023)
💿 Come Around and Love Me
Um tema mais introspectivo, quase cinematográfico. Fala sobre a necessidade de clareza nos afetos “mostra-me que é real” e revela o cuidado que Jalen põe nas palavras. Excelente exemplo da sua vertente mais melancólica.
5. “That’s All I Wanted from You” (2023)
💿 Come Around and Love Me
A voz em primeiro plano, quase sem adornos. É neste tipo de canção que se percebe o alcance vocal e emocional de Ngonda. Um lamento elegante, com arranjo minimalista e um refrão que fica na cabeça.
6. “All About Me” (2025)
💿 Single
Uma amostra da nova fase do músico. A produção é mais polida, próxima do R&B moderno, mas mantém a alma intacta. Fala sobre autoconhecimento e aceitação. Para quem quer ver como Jalen está a crescer sem perder identidade.
7. “Just Like You Used To” (2024)
💿 Single (pós-álbum)
Menos conhecida, mas essencial. Combina melodia doce com ritmo ágil e uma interpretação que mostra maturidade crescente. É a ponte entre o romantismo dos primeiros temas e a liberdade criativa que começa a explorar.l